Quando
falamos em Itália imediatamente nos vem em
mente a cultura gastronômica que nela habita. A revista Forbes coroou a
culinária da Emilia-Romagna , proclamando-a como a região “onde melhor se come
no mundo”.
O enviado da
revista à região, David Rosengarten , escreveu em seu artigo:
"Se você perguntar
a um italiano onde se encontra a melhor comida, quase sempre a resposta será '
a da minha mãe'. Mas se perguntarmos sobre regiões, a resposta mais provável
será 'Na Emilia- Romagna', a fantástica região do centro-norte da Itália, localizada no vale fértil do rio Po .

A beleza da Emilia-Romagna não se pensa, não se respira, se
absorve, se faz comestível. Freud disse uma certa vez que “ir à Bologna é quase como reentrar no ventre materno”.
Para ilustrar este fato, vamos, numa descrição sucinta de alguns
destes produtos, suas origens e seu processo de fabricação, fazer um giro nesta
região rica de sabores e aromas.
O queijo Parmigiano-Reggiano

o tipo de forragem nele plantado, as características da água e do ambiente. Essa soma não existe em outros locais. Por não conter conservantes nem corantes é apreciado como uma especialidade gastronômica e também como produto dietético.
Suas origens são antiquíssimas, fontes bibliográficas da
época romana confirmam sua existência desde o inicio da era cristã.
O testemunho mais preciso é aquele de Boccacio que em seu
Decameron, escrito em torno de 1350, cita o queijo.

O Parmigiano-Reggiano é produzido da mesma forma por sete
séculos: leite, coalho e fogo.
Existem diversos tipos de Parmigiano-Reggiano, fabricados
entretanto pelo mesmo processo; o que os diferencia é o tempo de maturação. Os
menos maturados (de 12/14 meses) são ideais para a degustação, os de maturação
intermediária (18/24 meses) são ótimos para degustação e para serem ralados e
os de maturação extrema (36 meses ou mais), de sabor mais acentuado, são
normalmente ralados para uso culinário.
Para a produção de 1kg de queijo são utilizados 16 litros de
leite.
O Parmigiano-Reggiano é o símbolo do mais autêntico
artesanato gastronômico de toda a Itália.
O Rei dos presuntos

Para se obter este presunto tão especial é necessário tanto
um modo específico de trabalha-lo como um clima particular. Os melhores locais são os vales
onde correntes de ar leves e constantes secam as carnes porém sem murcha-las,
dando à elas uma consistência e maciez peculiar.
Uma curiosidade: os ambientes onde os presuntos são maturados
se chamam “berçários” porque o presunto é colocado ali e cuidado como um bebê. Nada acontece ao acaso, mesmo a abertura das
janelas é controlada em função das correntes de ar e das estações do ano. A
cidade de Langhirano, na província de Parma, é um destes locais de produção com
alto grau de excelência. A sua produção ocorre sempre em altitudes inferiores à
900m. O resultado final são peças que pesam em torno de 7/8kg descontado o peso
do osso. Caso se queira trazer o produto, este deve ser fatiado. Aliás um dos
segredos na degustação do produto é que as fatias devam ser muito finas,
praticamente transparente;

Além disto, em 1996 a Comunidade Europeia conferiu ao produto
o Reconhecimento de Origem Protegida (DOP).
No província de Parma o presunto é chamado, em dialeto local,
de “pàr-sut” ou seja, “parece seco”.
O Culatello de Zibelo

Na sua produção utiliza a parte nobre das coxas posteriores
dos suínos, desossadas, e salgadas manualmente à seco, operação esta que dura
de 1 a 6 dias. Para o ensacamento se utilizam bexigas suínas que, em seguida,
são amarradas com barbante dando uma forma de pera ao produto. Antes do
processo de maturação se procede à uma
nova secagem que pode variar de 30 a 50 dias. A fase de maturação deve ser
efetuada em locais onde esteja assegurada uma suficiente renovação de ar e uma
temperatura compreendida entre 13
e 17
e se prolonga por um período superior à 10
meses.

A zona de produção se situa nas cidades de Zibello, Busseto,
Soragna e Colorno, todas na província de Parma.
O culatello DOP é parte do patrimônio gastronômico e cultural da
zona de produção, situada ao longo do rio Pó, cujas características do clima
influenciam positivamente a maturação do produto.
O Salame de Felino

Graças à uma alimentação especifica são fornecidas às partes
adiposas dos porcos as características necessárias para fazer deste salame uma
especialidade. A gordura utilizada, não
só tem um baixo índice de colesterol mas também um elevado percentual de ácidos
graxos não saturados, ou seja “bons”. A presença de fatores antioxidantes, como
a vitamina E, além do mais protege a gordura do ranço como é fácil notar nas
fatias que se apresentam magras e homogêneas.

Com seus 8 séculos de história o salame é produzido com
tecnologias que ficaram invariáveis nos últimos 100 anos salvo a superação do
vínculo sazonal. Antigamente o abate dos porcos, a manipulação de duas carnes e
a produção do salame ocorria apenas no inverno. Hoje a produção é possível
durante todo o ano sempre sem recorrer ao congelamento das carnes que é
absolutamente vedada.
A preparação do salame é feita triturando as carnes no moedor de
carnes (com furos de 6 a mm) e misturando em seguida, de forma cuidadosa, todos
os outros elementos. A seguir o salame é ensacado em tripas de suínos e
amarrados com barbantes, sendo com eles pendurados nos locais de maturação.
A Mortadella de Bologna
A mortadella de Bologna é um embutido cozido, feito
exclusivamente com carne suína, de forma cilíndrica ou oval, de cor rosa e com
um aroma inconfundível, intenso e ligeiramente picante.

Na sua composição se utilizam apenas carnes suínas, atentamente
selecionadas e trituradas.
Para a parte magra (de cor rosa) se utilizam músculos estriados obtidos
das costas dos suínos (spalla).
Para a parte gorda (de cor branca) se utilizam as partes gordas
mais consistentes e apreciadas dos porcos, a gordura do pescoço. Os cubos de
gordura conferem ao embutido a sua doçura característica.
Além disto, podem ser usados a gordura suína dura, água, sabores
naturais, especiarias e plantas aromáticas pistache, açúcar (dose máxima de
0,5%) nitrito de sódio e/ou potássio (dose máxima de 140 partes por milhão),
ácido ascórbico e o seu sal sódico.
As carnes são misturadas e homogeneizadas. A seguir a mistura é
colocada num triturador mecânico, passando por facas sucessivas sendo a ultima
com furos de 0,9mm no máximo. Esta operação ocorre a temperatura de 1
A seguir são adicionados os cubos de gordura, previamente
cortados e lavados com agua quente e secados. Uma vez prontos e após receberem
sal, grãos de pimenta e aromas são distribuído uniformemente nas carnes
trituradas e na proporção desejada (não menos que 15% segundo as Normas de
Produção da Mortadella IGP).
A adição de pistache à massa é opcional e varia de acordo com o
gosto do local onde serão consumidas. Historicamente na região de Bologna e
norte da Italia são consumidas sem o pistache enquanto em outras regiões, como
Roma, preferem a adição dele.

A seguir a mortadela passa por uma ducha de água fria e
permanece um tempo num local de resfriamento que permite que o produto se
estabilize. Ele se transforma num produto realmente único!
O Aceto Balsâmico
Tradicional de Modena
A União Europeia estabeleceu que só o vinagre proveniente das
cidades de Modena e de Reggio Emilia, derivados do mosto de uvas e com pelo
menos 12 anos de envelhecimento em barris de madeira, possa receber o título de
Balsâmico Tradicional. É um exemplo clássico de como, às vezes, uma simples
palavra (neste caso “Tradicional”) pode ser importante, mudar as coisas e
esclarecer dúvidas.
O aceto balsâmico comum se encontra facilmente no mercado e a
preço bastante acessível. Já o aceto balsâmico tradicional é outra coisa, tanto
quanto a sua qualidade como raridade.
O aceto balsâmico tradicional é colocado no mercado com dois
tipos de envelhecimento: um com pelo menos 12 anos e o outro, um tipo extra,
com mais de 25 anos de envelhecimento.
Dizem que o mais velho (ouro negro) teve uma origem casual: um
mosto curado, esquecido em uma vasilha e encontrado depois de um longo tempo
teria apresentado sinais de uma grande e particular acetificação.
Hoje o tipo mais velho se apresenta como um liquido xaroposo,
denso, saboroso e perfumado, de cor muito escura. Ao mesmo tempo ácido e doce,
de deliciosa fragrância, pode ser consumido até como licor.

Deve-se ao tempo, aos efeitos que os diversos tipos de madeira
dos barris (carvalho, castanheira, cerejeira, etc) e à experiência do homem, a
geração de um balsâmico de excelente qualidade que estará depositado no ultimo
barril. Cada pequeno barril tem uma função precisa: a fermentação, a maturação
e o envelhecimento.
Os ambientes ideais para estoca-los devem ser bem aerados. Não
por acaso o Duque d’Este tinha o seu depósito de aceto balsâmico numa torre do
palácio Ducal de Modena, aberto a sudoeste.
Em resumo, o aceto balsâmico tradicional é um produto único e
irrepetível.
O
Tortellino de Bologna
Como sabemos, a excelência da produção e o consumo de massas são
notórios em toda a Itália. Existem centenas de tipos de massas simples obtidas
por trefilação (spaghette, tagliarine, linguine, etc), massas estampadas e
trabalhadas (farfalle, conchiglia, etc) e massas recheadas (tortelle,
tortellino,agnoline, etc).
Na Região da Emilia –Romagna, especialmente em sua capital,
Bologna, a massa mais tradicional e
apreciada é o tortellino de Bologna, cuja receita foi decretada solenemente
pela “Dota Confraternita del Tortellino” e depositada com ato notarial na
Câmara de Comercio de Bologna, situado no Palazzo dela Mercanzia, em 15 de
abril de 2008. Esta receita transcrevemos aqui:
Ingredientes da massa
(para 4 pessoas):
400g de farinha de trigo 00, 4 ovos inteiros de galinha, uma
pitada de sal e 1 a 2 colheres de farinha para
processamento.
Preparação da massa
Misturar a mão, com maestria, e com um o uso refinado do rolo se
obterá uma massa que deve ser bastante fina. Esta massa deve ser enrolada num
pano de prato para enxugar ligeiramente. Neste ponto ela estará pronta para ser
estendida numa tábua de madeira e ser cortada em quadrados.
Formatação do
tortellino

O recheio, à exemplo da massa, teve a sua receita também
solenemente decretada pela “Delegazione di Bologna dell’ Accademia Italiana
dela Cucina” e pela “Dotta Cofraternita del Tortellino” e depositada com ato
notarial na Camara de Comercio de Bologna em 7 de dezembro de 1974.
Ingredientes do recheio
(para confecção de 1.000 peças)
300g de lombo de porco, 300g de presunto cru, 300g da verdadeira
mortadela de Bologna, 450g de queijo Parmigiano-Reggiano, 3 ovos inteiros de
galinha, um pouco de noz moscada.
Preparação do recheio
A preparação deve ser
muito cuidadosa. O lombo deve ficar em repouso por 2 dias coberto com uma
mistura de sal, pimenta, alecrim e alho, a seguir cozido em fogo lento com um
pouco de manteiga e depois tirado da panela e limpo de seus aromas. Finalmente,
sobre uma tábua de madeira, se tritura muito finamente o lombo, o presunto e a
mortadela e se faz a mistura deles com o parmesão e os ovos, adicionando um
pouco de noz moscada. Esta pasta deve ser misturada muito bem, até ficar
amalgamada e deixada em repouso ao menos por 24 horas antes de ser utilizada no
recheio do tortellino.
Preparação do
Tortellino
Os quadrados de massa já com o recheio colocado sobre eles são dobrados
sobre si mesmos criando uma forma triangular que, graças à prodigiosa
habilidade das donas de casa bolognesas, entrelaçam as massa em torno da ponta
do dedo indicador e com uma ligeira pressão dos dedos, o fecha.
Consumo do Tortellino
Para se degustar um bom tortellino é indispensável se dispor de
um excelente caldo que se obtem colocando numa panela um frango caipira (não
criado com ração) com adição de carnes notoriamente aptas na confecção de um
caldo.
Segundo a tradição Petroniana o Tortellino deve ser consumido no
caldo e acompanhado por um bom vinho como o Lambrusco tinto, Sangiovese ou
Trebbiano.
Curiosidades
No fim do século 18, um engenheiro chamado Giuseppe Ceri ajudou a
consolidar essa lenda. Disse que a massa nasceu na localidade de Castelfranco
Emilia, na estrada que liga Bologna a Modena, inspirada no umbigo de Vênus,
deusa do amor e da beleza. Após uma noite de amor a três, da qual participaram
Baco, deus do vinho e da embriaguez, e Marte, deus da guerra, ela acordou
sozinha. Acreditando ter sido abandonada, chamou o dono da hospedagem para
saber se os parceiros haviam partido. Sua nudez extasiou o homem, que desceu à
cozinha e fez uma massa reproduzindo o divino umbigo. Uma história parecida,
com outros personagens, fala de um taverneiro que espiou uma bela mulher pelo
buraco da fechadura. Igualmente deslumbrado, homenageou o umbigo feminino com
uma massa recheada.
Outra curiosidade é uma citação anônima tirada do guia turístico
de Bologna, editado pelo Touring Club Italiano:
“Se o Pai do gênero humano
perdeu o Paraiso por uma maçã, o que ele não daria por um prato de tortellini?”
Monumento ao Tortellino – Castelfranco Emilia
Os vinhos
À exemplo dos alimentos, a região Emilia-Romagna também produz
uma série infinita de vinhos de excelente qualidade. Apenas a título de exemplo
vamos citar alguns tipos de vinhos DOC produzidos na Região, listados pela
província de produção. Não detalharemos os vinhos em si, sua forma de produção,
a combinação vinho/alimento porque seria muito extenso e não é a intenção deste texto.
Centesimino - cultivado desde o século XVII sobre as colinas de Faenza;
Famoso (também chamado de “Uva Rambela”) - atualmente cultivado nas zonas de Forlì, Bertinoro, Faenza, Brisighella e Bagnacavallo;
Fortana - cultivado ao longo da Costa Adriatica, na área de Ferrara entrando no território dos "Vini delle Sabbie";
Gutturnio - vinho simbolo da enologia piacentina
Lambrusco - difusa nos campos que vai desde Parma e se estende no sentido leste até compreender os territórios reggiano e modenês
Longanesi - cultivado no coração da Romagna, na planície que circonda o Bagnacavallo, na próvíncia de Ravenna, sendo coltivado também por algumas vinícolas da primeira colina faentina
Malvasia - encontra-se sobre as doces colinas de Parma e Piacenza
Ortrugo - presentes no piacentino desde a epoca pré-cristã
Pagadebit - a área de produção compreende a faixa das colinas de Ravenna, Forli-Cesena e Rimini, em particolar nas cidades de Bertinoro e Castrocaro Terme
Pignoletto - cultivado nas colinas no entorno de Bologna
Rebola - presente desde tempos antigos no territorio de Rimini
Sangiovese - indiscustido senhor das collinas entre Rimini e Imola
Spergola - vitinho típico da zona de Scandiano, na província de Reggio Emilia
Trebbiano - é a variedade de uva branca mais cultivada em Emilia Romagna, particularmente na província de Ravenna
O que trazer da
Emilia-Romagna para o Brasil
Agora que vimos alguns dentre os inúmeros dos sabores e aromas
que a Emilia-Romagna pode nos oferecer, a boa informação é que, quase todos
estes, além de consumirmos na Italia também podem ser trazidos ao Brasil. A
única exceção é o tortellino, que por ser um produto artesanal, não tem a
entrada autorizada no pais. A opção, neste caso, seria trazer o tortellino
industrializado, seco e embalado pelo fabricante, como as demais massas. Apesar
de em termos de sabor ficar muito distante do tortellino original, pode nos
ajudar a relembrar a massa e nos convidar
a uma nova viagem.
Antigamente nenhum produto de origem animal, a base de leite e a
base de ovos podia ser trazido. Entretanto, em 2016, o Ministério da
Agricultura, através da Instrução Normativa MAPA n
11, de 10/05/2016 permitiu a entrada destes
produtos desde que protegidos pela embalagem do fabricante onde conste a
composição e dados de produção/maturação quando exigido e em quantidades
controladas. As embalagens devem ser seladas à vácuo, porém é vedada a entrada
de produtos fracionado em supermercados (tipo queijo/frios) , mesmo embalados à
vácuo, por não terem o rótulo do fabricante.
Para os queijos é permitida a entrada de até 5kg por pessoa,
devendo entretanto serem do tipo curado, com pelo menos 60 dias de maturação,
não sendo permitidos queijos do tipo “fresco”, brie, etc. Caso fracionados,
como falamos acima, deverão trazer na embalagem o rótulo do produtor com as
suas caraterísticas.
Para os derivados de carne (prosciutto, culatello, salame,
mortadela) a quantidade permitida é de até 10kg por pessoa devendo, caso
fracionados, estar embalados à vácuo, com o rótulo do fabricante e suas
características.
Para os vinhos é permitida a entrada de até 12 litros por
pessoa. Como as embalagens dos vinhos são, normalmente, de 0,75 litros são permitidas
até 16 garrafas. O acondicionamento das garrafas deve ser feita de forma
adequada de acordo com as normas das companhias aéreas.
Degustem com prazer todos estes sabores da Emilia-Romagna. Eles
são inigualáveis!
Por: Annalisa Fazzioli Tavares