A ESTAMPARIA
TRADICIONAL DE TECIDOS DA ROMAGNA
Desta vez não vamos falar da
enogastronomia da Emilia-Romagna embora esta seja uma das excelências da Região
e de não termos ainda esgotado o tema. Vamos falar ainda da Romagna mas de seu
artesanato e seu folclore.
“Não existe diferença
substancial entre o artista e o artesão; o artista é um artesão inspirado”
Walter Gropius
A estamparia manual de tecidos
utilizando o óxido de ferro (ferrugem) como corante é uma técnica muito antiga
e pensamos que tenha se iniciado no século XVIII quando camponeses da Romagna
cobriam os seus animais, para protegê-los do frio, com panos com a estampa de
Santo Antonio Abade, protetor do mundo agrícola e dos animais.
OS MOLDES
Os moldes para a execução das
estampas são feitos em madeira. De acordo com a tradição na execução dos moldes
se adota a técnica semelhante à das matrizes de xilogravura (madeira
entalhada). A madeira mais comumente usada para este fim é a da pereira por ser
fácil de entalhar e abundante na região, além de apresentar poucos nós e ser
resistente aos golpes das marretas de madeira utilizadas no processo da
estampagem. A madeira precisa estar bastante seca e envelhecida de forma a
manter a forma por um longo período. A profundidade dos entalhes é de cerca de
5 a 7 mm. Os moldes normalmente reproduzem temas mais clássicos, tanto florais
(folhas, cachos de uva, folhas de videira, espigas de trigo, romãs) como
animais (galos, bois, faisões, pássaros) não faltando também elementos da vida
cotidiana e também formas geométricas.
AS TINTAS
A tinta usada para a estampagem é
uma mistura obtida a partir do ferro oxidado com vinagre ao qual são
adicionados sulfato de ferro e farinha de trigo. As quantidades variam de
acordo com a tonalidade que se deseja obter e que pode variar do ocre ao
laranja. É o óxido de ferro (ferrugem) que dá o nome à estampa tradicional
(stampa a ruggine). Atualmente, mesmo com o processo tradicional de estampagem
que estamos tratando aqui, são utilizadas outras cores tais como o azul e o
verde que são obtidas com a utilização de óxidos de outros metais.
OS TECIDOS
Os tecidos utilizados para a
estampagem, na sua origem, eram tecidos feitos com fibras de cânhamo cultivado
nos campo e tecido em teares caseiros, tratando-se portanto de uma atividade
essencialmente familiar. Além do cânhamo muitas vezes se utilizava o linho e o
algodão e mais modernamente, em alguns casos isolados, a seda. As origens do
processo são essencialmente pobres, camponesas como atestam os materiais
empregados. Dos panos para proteção dos animais, em sua origem, a estamparia
com oxido de ferro passou a ser utilizada para embelezar as residências na
forma de cobertas de cama, toalhas de mesa, toalhas de banho, aventais, etc.
O PROCESSO DE
ESTAMPAGEM
Para a estampagem propriamente
dita, o tecido é estendido sobre uma mesa forrada por uma grossa camada de
feltro. A função desta camada de feltro é a de permitir uma melhor acomodação
do tecido ao estampo possibilitando assim a qualidade da impressão. Com o
tecido já colocado sobre a mesa, o artesão coloca, com o auxilio de uma
espátula, uma pequena quantidade de
tinta com consistência pastosa sobre uma superfície lisa, normalmente de pedra,
com dimensões adequadas ao tamanho dos moldes. A seguir ele coloca o molde
sobre a camada de tinta de forma a preencher toda a face do molde com a tinta
em uma camada fina e uniforme. Uma vez recoberto pela tinta, o molde é colocado
pelo artesão, com a mão firme, sobre o tecido, na posição definida para a
estampagem. A seguir, com a outra mão empunhando uma marreta de madeira de
cerca de 3 ou 4 quilos ele golpeia algumas vezes o molde. Esta operação deve
ser feita com gestos rápidos e precisos de forma a garantir a perfeita
transferência da tinta contida no molde para o tecido, até o termino da
decoração desejada que pode ser feita tanto com a repetição sequencial do mesmo
molde como intercalada com outros moldes. Uma vez terminada a estampagem o tecido é colocado em
varais para a secagem. Após a secagem, que pode levar alguns dias, procede-se à
operação de fixação da tinta sendo mergulhado em um recipiente contendo uma
solução de soda cáustica. A seguir o tecido é enxaguado para retirada da soda
remanescente, procedendo-se depois a secagem e acabamento.




CONCLUSÕES
Como vimos acima o artesão é então um artista no
momento em que cria e entalha o desenho
no molde de madeira, torna-se um refinado alquimista quando prepara a tinta para a impressão, demonstra sua grande
habilidade como artesão quando coloca o tecido sobre a mesa de estampagem, ao
colocar a tinta no molde, nem muito nem pouco, ao evitar falhas no tingimento, ao
bater a pesada marreta sobre o molde de forma que a tinta penetre uniformemente
na fibra têxtil.
Tudo o que acabamos de descrever se refere ao método de
estamparia tradicional da Romagna que ainda hoje é utilizado destas forma por
diversas empresas. Este método entretanto, por utilizar muita mão de obra e
produtos naturais em todo o processo acaba tornando o produto muito oneroso. Em
função disto surgiram várias empresas que começaram a reproduzir os desenhos
originais da estamparia tradicional utilizando equipamentos e materiais
industrializados (tecido e tintas) oferecendo estes produtos no mercado por um
preço reduzido. Estes produtos, obviamente, não tem a qualidade artística e o
valor histórico dos originais não devendo com ele ser confundido.
É necessário portanto reconhecer os tecidos
efetivamente estampados à mão. Vamos descrever alguns conselhos para se
verificar se o tecido foi produzido conforme a técnica artesanal DOC:
-Primeiramente verificar se o desenho pode ser visto em
ambas as faces do tecido, porque só não produção artesanal tradicional isto
ocorre, uma vez que a tinta, pelo modo de estampagem, impregna toda a
espessura do tecido.
-Uma estampa feita à mão deve apresentar nuances de cor
e imperfeições devido à colocação manual do molde sobre o tecido, a repetição
do mesmo desenho pode apresentar alguma diferença em uma estampa e outra.
- Atenção também à cor: aquela das estampas
industrializadas se reconhecem por serem planas e uniformes ao contrário da estampa
manual onde a cor é necessariamente sujeita à nuances e com uma distribuição
não homogênea.
Em resumo, uma estampa manual produz na verdade uma
peça única que nenhuma produção industrial, por mais bem feita que seja, será
equivalente.
Como forma de proteger a originalidade desta produção
artesanal, em 1997, um grupo de artesãos de Rimini se juntou aos demais
produtores da Romagna fundando a Associação dos Estampadores das telas
Romagnolas (Associazione Stampatori Tele Romagnole), que representa as empresas
que utilizam o procedimento produtivo tradicional, garantindo o respeito deste
método de produção protegendo-as das falsificações e salvaguardando os
produtores históricos que hoje se limitam a cerca de uma dezena.
Como pudemos ver acima podemos concluir que:
A pobreza não impede que se criem coisas belas, pelo
contrário, a engenhosidade é estimulada por ela.
Por: Annalisa Fazzioli Tavares